A mobilidade elétrica já se tornou adulta?
Opinião de José Carlos Pereira
A mobilidade elétrica ainda não atingiu a maioridade. É até bastante jovem; não diria que a dar os primeiros passos, mas ainda com muito caminho a percorrer e muito para amadurecer.
Veja-se, como simples exemplo ilustrativo, que o lançamento do Leaf da Nissan tem apenas 10 anos. Desde aí, seja em modelos seja em tecnologias, a inovação e a aceleração foram assinaláveis: tecnologia das baterias, autonomia dos veículos, potência do carregamento, interfaces/softwares, conectividade, modelos de negócio e comunicação, regulação, integração na rede elétrica, carga automática (sem fios) e muitas outras.
Uma verdadeira revolução… que, estou certo, vai continuar em inovação acelerada nos próximos anos. Podemos até aproveitar, exportando para o mundo tecnologia desenvolvida por cá – já existem casos bem interessantes!
E, assumidamente, Portugal está na tendência, pois em 2019 foi o 6º país do mundo com maior quota de venda de veículos elétricos e híbridos plug-in conjugados (5,67%, embora a Noruega lidere com 55,93%).
E o que nos diz isso? Que estamos a ‘surfar’ essa tendência, mas que necessitamos de ter melhores condições de financiamento e fiscais, regulação e infraestruturas para que façamos, efetivamente, parte da revolução.
A evolução da mobilidade elétrica tem duas etapas distintas: uma inicial, de arranque, e uma segunda de massificação. Na fase de arranque, o financiamento foi (ainda é) a criação de estímulos e incentivos para o desenvolvimento do mercado e da infraestrutura de mobilidade elétrica. Hoje, a escala e o crescimento já possibilitam o aparecimento de modelos de negócio economicamente interessantes e sustentáveis.
Visto já estarmos no início da fase de massificação, deverá prevalecer a lógica de mercado, enquadrada por uma regulação forte e eficaz. E a iniciativa privada deve, nesta fase, ter um papel primordial no desenvolvimento e financiamento dos projetos, apostando naqueles que poderão satisfazer os objetivos de ROI (Return On Investment) e de VOI (Value On Investment).
Uma vez que tenho uma veia ligada à formação e qualificação, diagnostico uma carência (logo, oportunidade) na formação de recursos humanos altamente qualificados nesta área da ME (Mobilidade Elétrica), e este recurso será extremamente importante para o sucesso do setor em Portugal. Assim, torna-se necessário que o país tenha a capacidade de, nas várias modalidades formativas, efetuar ajustes que permitam capacitar e formar recursos humanos que respondam às atuais exigências.
É também fundamental que as universidades, assim como os centros tecnológicos, tenham a capacidade de ajustar alguns dos seus conteúdos (cursos, licenciaturas, pós-graduações, …), lecionando conteúdos ligados à ME, seja ao nível dos materiais e tecnologias produtivas, seja da eletrónica e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação).
Outra oportunidade, já em curso em algumas empresas, está no setor dos componentes para automóveis (polímeros, metalomecânica, metalurgia, têxteis, eletrónica e sistemas) e dos moldes, pois são setores cuja adaptação deverá ser considerada estratégica neste novo paradigma da ME.
Entretanto, não querendo ser demasiadamente pessimista (ou realista) quanto a balanços energéticos, enquanto o preço do petróleo se mantiver baixo, talvez algumas das soluções não façam sentido para substituir os motores de combustão. Isto por questões de matemática e racionalidade, já que, relativamente às metas de descarbonização da economia ou imposições legais, pode ser um caminho – mas tenho dúvidas se será o caminho certo!
Relembro, também, que o crescimento da mobilidade elétrica veio exigir das redes elétricas de distribuição um maior esforço (sobrecargas nos ramos ou quedas de tensão excessivas) para permitir o carregamento das dezenas de milhares de baterias dos veículos elétricos. E onde serão os maiores picos de consumo? E em que sistema de consumo? Carregamento lento ou rápido? O caminho, pelo que vou verificando, vai ser, muito provavelmente, o smart charging, em que há uma gestão controlada dos carregamentos.
Sugiro, se me permitem, num toque eletrizante final, que, como opção primária, seja a energia elétrica limpa (solar) a alimentar a mobilidade elétrica! Vamos ser coerentes?