A startup de baterias Factorial, sediada em Massachusetts, está a atravessar um momento decisivo. Depois de colocar um Mercedes-Benz EQS equipado com a sua tecnologia de estado sólido na estrada para testes, a empresa anunciou agora, em colaboração com a Stellantis, um marco importante: a validação com sucesso de células de bateria semi-sólidas de qualidade automóvel.
O potencial das baterias de estado sólido para revolucionar os veículos elétricos
As baterias de estado sólido — que utilizam um eletrólito sólido ou semelhante a gel em vez do eletrólito líquido usado nas baterias tradicionais de iões de lítio — são amplamente vistas como o “Santo Graal” da tecnologia para veículos elétricos. As suas potenciais vantagens incluem maior autonomia, tempos de carregamento significativamente mais rápidos, menor peso e melhor desempenho em condições extremas de temperatura.
No âmbito desta parceria, a Stellantis e a Factorial validaram uma célula de 77 ampères-hora. Esta célula apresenta uma densidade energética de 375 Wh/kg. Trata-se de um valor muito superior à média atual da indústria, que varia entre 200 e 300 Wh/kg. As novas células conseguem carregar de 15% a 90% em apenas 18 minutos, à temperatura ambiente. Além disso, suportam taxas de descarga de até 4C. Isto significa que podem descarregar totalmente até quatro vezes numa hora.
Este avanço pode desbloquear níveis de desempenho extraordinários para os veículos elétricos. Não é por acaso que a Stellantis escolheu o Dodge Charger Daytona como veículo de teste para esta tecnologia avançada.
Desempenho em condições extremas e impacto no peso dos veículos
A gama de temperaturas de operação destas células situa-se entre -30°C e 45°C, semelhante às baterias de iões de lítio convencionais. Contudo, a grande diferença poderá residir na capacidade destas novas baterias manterem grande parte da sua energia em climas extremos, enquanto as baterias tradicionais perdem uma parte significativa do seu desempenho, sobretudo em ambientes frios.
Este progresso resulta de anos de desenvolvimento. A colaboração entre a Factorial e a Stellantis começou em 2018 — quando esta última ainda operava como Fiat Chrysler Automobiles — e evoluiu desde pequenas células de 20 Ah para células de 100 Ah (embora as utilizadas pela Stellantis sejam de 77 Ah).
Siyu Huang, CEO da Factorial Energy, descreveu à publicação InsideEVs o grande desafio de escalar a produção. “Passámos pelo inferno da produção para escalar as nossas operações”, afirmou. Referia-se às dificuldades com desperdício de material, rendimento e processos de fabrico. Para ilustrar a evolução do projeto, Huang mostrou a diferença de tamanho entre as primeiras células de 20 Ah e as novas de 100 Ah. A comparação foi clara: o tamanho de um iPad face a um televisor de grandes dimensões.
A solução semi-sólida: um passo intermédio rumo ao estado sólido total
Contudo, importa salientar que as células desenvolvidas ainda não são de estado sólido total (ASSB – All-Solid-State Batteries). Tratam-se de células semi-sólidas à base de polímero, focadas em estabilizar o ânodo — a parte da célula onde o material ativo se deposita durante o carregamento. Esta solução intermédia poderá pavimentar o caminho para as futuras baterias de estado sólido integral.
Outro ponto relevante é que as células utilizadas nos protótipos do Mercedes EQS e do Dodge Charger Daytona têm otimizações distintas: no EQS privilegia-se a autonomia e a eficiência, enquanto no Daytona a prioridade é o desempenho. Ainda assim, a química fundamental das células é idêntica.
Se a Factorial conseguir ultrapassar os desafios de escalabilidade, ambos os veículos terão uma redução significativa de peso. O Dodge Charger Daytona será o mais beneficiado. Este modelo, por ser um “muscle car” elétrico, tem um peso bruto de cerca de 2.650 kg.
Segundo Huang, apenas ao nível do pack de baterias, estima-se uma redução de 90 kg. Além disso, dado que as baterias de estado sólido exigem menos reforços estruturais, sistemas de arrefecimento e componentes auxiliares, a economia de peso total no veículo pode variar entre 225 kg e 900 kg.
O futuro da tecnologia de baterias: desafios de custo e produção
Reduzir o peso também traz vantagens económicas: estima-se que cada quilo eliminado pode poupar cerca de 5 dólares, o que, teoricamente, poderá representar uma poupança entre 2.500 a 10.000 dólares por veículo, à medida que a tecnologia evolui.
Contudo, Huang foi clara ao afirmar que, na fase atual, os custos das células de estado sólido são significativamente superiores aos das baterias de iões de lítio convencionais. “Definitivamente são mais caras em pequena escala”, afirmou. “Os protótipos de amostra podem ser 10, 20 ou até 30 vezes mais caros do que as células de iões de lítio tradicionais”, acrescentou. Apesar disso, mostrou-se moderadamente otimista quanto à possibilidade de reduzir os custos com o aumento da produção e com eventuais parcerias com grandes fabricantes de baterias.
Huang também destacou que a aposta na tecnologia é global, com a China a investir fortemente nesta área, considerando que estas baterias poderão resolver simultaneamente os problemas de autonomia, segurança, tempo de carregamento e longevidade.
Em vez de depender de múltiplas soluções, “a abordagem mais eficiente será ter apenas um tipo de bateria que resolva todos os problemas”, concluiu.

Fonte: INSIDEEVs